quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Do Sangue

Dizem: quando se perde um amor fica um buraco que não é da sua natureza ser preenchido – nascerá, um dia, outro buraco que, alastrando, fará minguar o anterior, até que se torne anódino. Digo: até que destile em pérola – auto-restituição pelo Eu que é um e, por isso, disponível, ou por um dois enquanto alavanca, cancro a par de cancro, a minar a doença, pela doença; uma espécie de transplante ao ralenti. Nem sempre corre bem, o segundo, precisamente pelo carácter invasivo. Raramente corre mal, o primeiro – o pior que pode acontecer é o invólucro ir perdendo, com o tempo, a vocação maior, tornar-se estéril para um Eu que é dois, como quem desaprende o seu ADN. Se o sangue for quente.

Às vítimas de desamor não fica buraco nenhum. O invólucro é o lado de fora e é impermeável. Ao centro, precisamente ao centro, suspenso, o coração. Tudo o mais é breu. Porque quem é desamado só sente – cismar não é mais que sentir, só, e só. Buracos acomodam-se, como células, em padrão, núcleos luminosos que não são faróis, não são defesas, não são sinais. Lamparinas – a luz treme, sem correntes de ar. Se o sangue for morno.

O problema dos répteis é que não padecem, são imunes à pior das doenças: a herança judaico-cristã. O católico é baptizado no momento da fecundação e é, portanto, parido judeu. Cristo ficou na cruz; a via-sacra, cumprida, é ir contra o baptismo primordial.

Os mamíferos perdem patas e braços e as patas ou os braços não voltam a crescer. Fica um coto, uma cicatriz, uma dor sazonal. Uma consciência. O aviso que ultrapassou os limites do aviso. A cruz. Não há segundas hipóteses.
Os répteis não sentem, por isso Cristo, para eles, está sempre a subir aos céus e a ser parido. O seu sangue é frio. E não aquece, em animais que amam ou são desamados.
Mata.